A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 115
O homem que saiu do quarto era um desconhecido. Ahin olhou para os botões do jaleco, o qual estava tão apertado que pareciam que iriam saltar a qualquer momento. O olhar dele saiu da roupa do homem e pousou em seu rosto.
“Um bandido?”
Evelyn corrigiu o mal-entendido com uma voz calma.
“Ele é médico em uma clínica particular, meu Lorde.”
Percebendo que Ahin era um predador forte, o médico se escondeu atrás da porta entreaberta. Os olhos cor de bronze, únicos do clã dos esquilos, tremiam como se ele estivesse em um terremoto.
Como o território das panteras tinha má fama, tinha sido muito difícil contratar um médico herbívoro às pressas. Eles tinham mandando gente ao território das vacas e das ovelhas, mas não houveram candidatos ao posto. No fim, esse esquilo tinha sido a única opção…
Ahin olhou com desconfiança para o médico, que era alto e largo e cujas mãos agarravam o portal de modo que pareciam que iam quebrá-lo.
“Tem certeza que ele não é um predador?”
“Já falei, ele é um homem-besta esquilo.”
Logo, o médico conseguiu reunir coragem para sair completamente do quarto e explicar a condição de Vivi. Ela não estava mais em condição crítica, mas precisaria de repouso absoluto para se recuperar. De nenhuma maneira poderia voltar à forma humana.
O médico, engolindo em seco, disse que Ahin podia entrar para vê-la, já que ela tinha tomado um tranquilizante e estava dormindo. Naturalmente, como médico, ele supervisionaria a visita.
Hesitando, Ahin, tocou na maçaneta. Devido a tensão, seu estômago estava tão embrulhado que ele nem sentia o resto das dores no corpo, provenientes das lesões internas.
Ele mordeu os lábios, os caninos se enterrando na pele. Imagens voaram em sua mente. O sangue e os feromônios sendo sugados por ele. Vivi, entre a vida e a morte.
“Ack! O que está acontecendo?”
Eventualmente, os botões do jaleco não resistiram ao tamanho do homem e saíram voando, acertando Evelyn.
“Perdão…! Não havia nenhum jaleco nessa mansão que coubesse em mim!”
“Nunca vi uma peça de roupa tão rude antes.”
“Ah… me perdoe pela rudeza de minha roupa, senhor!”
O médico baixou a cabeça, parecendo que poderia sair correndo a qualquer momento. Olhando essa cena, Ahin pensou que era ainda mais difícil entrar no quarto.
Quando a questão era instinto, não havia o que fazer. A diferença entre herbívoros e predadores. A presença ou não de caninos. A posição de cada um na cadeia alimentar. Essas eram as coisas que determinavam a atitude de Vivi. E por culpa dele, ela tinha um novo trauma.
Evelyn, recebendo as desculpas do médico, olhou para as costas de Ahin. Ainda molhado pela chuva, o tecido de sua camisa estava transparente. Parecia que ele tinha acordado e ido direto até ali. Ele não deveria pelo menos se arrumar melhor, já que ela estava dormindo de qualquer modo?
Evelyn, cujo rosto estava franzido em desaprovação, logo voltou para sua expressão neutra de sempre. O Lorde Ahin tinha acordado, e a Senhorita Coelha tinha passado da fase crítica. O pesadelo dos últimos 3 dias tinha terminado. E o competente secretário tinha contribuído para todos os resultados acima.
“Ainda assim, você ameaçou a integridade física deste Evelyn, um nobre. É um crime grave.”
“….”
“Se você deixar o Lorde ver a Senhorita Coelha a sós, no entanto, eu posso deixar passar.”
“M-mas… ele é um predador…”
“Não se preocupe com isso. Vamos ficar aqui fora conversando, vamos.”
Incapaz de lutar contra as ameaças de Evelyn, o doutor concordou em ficar do lado de fora do quarto. Perdido em pensamentos, Ahin encostou a testa na porta fechada. Então, devagar, o homem-besta esquilo a abriu.
Ahin, que estava colocando o peso de seu corpo contra a porta, perdeu o equilíbrio e caiu sentado para dentro do quarto.
“A visita não pode durar mais que 30 minutos.”
O doutor fechou a porta atrás de si após dar o aviso. Ele deu um sorriso fraco, mas o rosto que Ahin viu desaparecer através da porta ainda parecia apavorado.
Se levantando do chão, Ahin olhou ao seu redor. Próximo de onde ele estava, sob o carpete, havia uma almofada macia, e, em cima dela, um pequeno montinho braco. Encontrando a bola de algodão, o coração dele disparou ao ponto de doer.
‘Ela só está dormindo… ela está bem…’
Ele se aproximou com muito cuidado, para não despertar Vivi, e se sentou na frente da almofada. Os olhos vermelhos se fixaram na coelha, que era menor que uma mão.
Ataduras estavam enroladas em seu corpo. O quão mal estaria o ferimento por baixo delas? Ela respirava pesadamente enquanto dormia.
Imaginando a pele rasgada e suturada, Ahin pensou no momento em que a coelha covarde, que desmaiava só de ver caninos, sentiu aquela dor. Algo negro se espalhava dentro dele.
“Eu sou um monstro.”
Ele nem mesmo tinha direito de ver Vivi. Que tipo de situação era essa? Com os olhos escurecidos, ele apertou os punhos e voltou a abri-los. No momento, o controle de seus feromônios estava perfeito, mais fácil do que nunca. O fato de que ele tinha absorvido os feromônios de cura através do sangue não tinha sido sua imaginação.
Talvez tivesse sido o seu instinto de sobrevivência. Era provável que os feromônios de dominação, que ficavam descontrolados toda vez que ele tinha um ataque, tinham sido extirpados pelo feromônio mais forte. Os feromônios de cura de Vivi eram os únicos capazes de estabilizar os feromônios de dominação dele.
E, ao absorvê-los até o limite do que era possível, dessa vez, uma mudança tinha ocorrido no corpo de Ahin. Os feromônios de dominação, que pareciam estar bloqueados por algo, agora estavam se movendo livremente.
Ele podia sentir. Exceto pelos ferimentos internos, seu corpo estava mais leve do que nunca. Como ele temia, a chave para resolver os ataques de feromônios eram os feromônios de cura. Saber se essa resolução era definitiva ou não só poderia ser feito com o tempo, ao esperar se um novo ataque viria ou não.
‘Mas…’
A vida que ele tinha ganhado, em troca do pior preço possível, não o deixava feliz em absoluto. Sem forças, Ahin deitou no chão, usando o braço como travesseiro. A coelha bebê tinha um cheiro de desinfetante medicamental.
Se ele estivesse curado, exceto por sua própria avareza, não havia mais razão para Vivi permanecer no território das panteras negras. Mas apesar de tudo que aconteceu, ele não podia aceitar a ideia de deixá-la ir.
‘Vivi também não iria querer me abandonar… certo…?’
Talvez ele pudesse escondê-la, de modo que ninguém mais pudesse vê-la de novo. Se realmente os ataques que o deixavam à beira da morte estivessem resolvidos, a quantidade de vezes nas quais Vivi estaria em perigo iriam diminuir também. A necessidade de ir ao território dos ursos tinha desaparecido por completo, por exemplo. Ahin, criando várias razões para mantê-la ali, sorriu.
No entanto, por ele ter sido o maior culpado por colocar a vida dela em risco, Vivi poderia decidir abandoná-lo. A razão era clara para ele, pois a repetia para si mesmo todas as vezes que tentava evitar a ajuda dela.
Seu dedo indicador tocou levemente a pata dianteira branca. A ponta do dedo tremeu ligeiramente.
“Ahin, eu te amo.”
“Eu também. Mas talvez seja de uma maneira sombria e distorcida… ao contrário de seus sentimentos puros e sinceros…”
Ele estava tocando a pata de maneira tão leve que mal podia sentir, mas de repente se paralisou.
O nariz cor de rosa se mexeu, e os olhos de Vivi se abriram, devagar.
***
De vez em quando, Vivi se perguntava.
‘Por que um coelho bebê? Se ao menos eu fosse um bebê predador, não precisaria ficar tão desesperada para conseguir sobreviver, mesmo que nunca me humanizasse.’
‘Por que eu sou tão covarde? Se ao menos tivesse a determinação de aceitar a morte, como Ahin, não ficaria tão assustada cada vez que algo acontecesse.’
No entanto, isso tudo deixou de importar no momento em que ela encarou a morte iminente de Ahin, ao ponto em que implorou para que ele a deixasse ajudá-lo.
No meio de pesadelos que se repetiam de novo e de novo, ela abriu os olhos.
<Ahin…>
Um rosto pálido estava bem na sua frente. Ahin saltou como se fosse sair correndo no momento em que seus olhos se encontraram.
<Não vá…>
Apressada, ela tentou esticar a pata dianteira, mas não conseguiu alcançá-lo. Ele se sentou, paralizado, como se fosse uma estátua.
<Isso é um sonho?>
No entanto, considerando a dor que vinha de seu pescoço, que parecia que tinha sido cortado com uma faca, era provável que fosse real.
Tuk.
Vivi deixou cair a pata, que não conseguia alcançá-lo, e olhou para Ahin. Ele não parecia bem, mas, comparado com a sua aparência anterior, não estava nada mal.
Naquele dia, ele realmente iria morrer. Seus olhos estavam sem luz e o sangue não parava de sair por sua boca… a mente de Vivi tinha ficado em branco quando o viu suando frio.
Olhando os olhos vermelhos que a encaravam agora, no entanto, ela pensou que, se pudesse voltar no tempo, faria a mesma coisa. Como poderia fazer diferente, sabendo o perigo que ele corria? Isso era melhor do que não poder mais ver esses olhos.
<Você está melhor?>
Sentindo gratidão por Ahin estar vivo, ela tentou esticar a pata dianteira para ele outra vez. Logo, os lábios que tinham estado fechados todo esse tempo se abriram.
“Não se esforce demais, pare de se mover.”
Quando ele falou, os caninos apareceram no campo de visão dela.
“Vivi, você tem medo de mim?”
Uma dor aguda surgiu em sua garganta enquanto seus olhos se grudavam nos dentes afiados.
“Só porque você tem caninos….? Claro que não…”
Mais uma vez, os instintos de herbívora de Vivi gritaram para que ela fugisse.
‘Ela está tão assustada que se esqueceu de respirar…’
Ahin pensou que ele seria uma exceção, mas agora percebeu o quão arrogante tinha sido. Em um instante, Vivi esqueceu de sua dor e correu desesperada, entrando debaixo de uma mesa. O cheiro de sangue se espalhou no ar, o convencendo de que a ferida dela tinha acabado de se reabrir.
“Vivi!”
Em resposta à voz que chamava seu nome, ela tremeu intensamente. Então, Ahin parou. Sem poder ir atrás dela, ele se ajoelhou na frente da mesa.
“Não corra mais. Pode ser perigoso.”
Ele falou essa frase sussurrando enquanto cobria a boca com as mãos, para ocultar os caninos. Ele conseguiu soar calmo, mas no final da frase, houve um tremor em sua voz.
“Vou chamar o médico agora mesmo, então não se mova. Já vou embora.”
Ele disse isso, mas foi difícil para Ahin se afastar. As lágrimas começaram a escorrer dos olhos de Vivi no momento em que ela viu as presas. Ela sabia que estava o ferindo, mas não conseguia evitar de se afastar cada vez mais. Vivi se odiou por agir conforme seus instintos.
“Vivi, por favor…”
Ela não queria fazer isso. Sabia que Ahin tinha a mordido contra a própria vontade e que talvez estivesse tão ferido quanto ela mesma.
<Me desculpe…>
Ela pensou isso dezenas de vezes, mas nenhum som saiu, pois ela apenas era um coelho bebê. O carpete ficou manchado de sangue, que começou a escorrer das bandagens. Os olhos de Ahin tremeram quando percebeu isso.
***
“…E portanto, os dois ficarão separados. A coelhinha está.. Ah, não, quis dizer, a Senhorita Coelha está sendo tratada do ferimento que reabriu, e o Lorde foi levado ao seu quarto. Me disseram que ele precisa de descanso porque está com lesões internas e até mesmo pegou chuva.”
“Sim, eu entendo. Que terrível…”
Escutando o relato de Lile, Valence esfregou as têmporas. Nesse momento, sua coruja mensageira voou para dentro do escritório, indo direto para a parede, batendo com tudo e caindo no chão.
“Céus…! Uma coruja…!”
Um Lile assustado se ajoelhou e abraçou a ave caída.
“Hilla comete erros assim o tempo todo porque não é um animal diurno. Vamos, me dê a carta.”
A coruja, ainda meio atordoada, entregou a carta que trazia amarrada na perna à Valence. O remetente era o Lorde Amon, o líder do clã das lebres, e relatava que a situação no território das lebres continuava caótica.
‘…Acho que não iria dar certo, então.’
O segundo pássaro mensageiro a entrar pela janela foi Quinn. Normalmente, ele não obedecia ordens, a menos que viessem de Ahin, mas Valence tinha lhe prometido um prato de morangos em troca.
Parecendo ansioso, a águia mergulhou nos morangos e começou a devorá-los enquanto Valence abria a carta trazida por ele.
A remetente era a professora Janna, que estava atualmente hospedada no território dos porcos.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.