A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 114
Valence, franzindo a testa por reflexo ao ver que Vivi estava em uma situação crítica, se esforçou para suavizar sua expressão. Se ela parecesse ameaçadora, só iriam perder mais tempo.
“…Bebê.”
Escondendo o anestésico em suas costas, ela falou suavemente. Vivi, respirando de modo entrecortado, a rejeitou e correu para mais longe. O caminho que ela percorreu ficou marcado por uma trilha de novas gotas de sangue. O medo de predadores estava acima da sua condição física.
“Por favor, pode sair daí? Se esperarmos mais, pode ser perigoso…”
Valence, com uma rara dificuldade de esconder sua impaciência, tentou persuadi-la. Se tudo desse errado, ela teria que tentar usar feromônios para fazê-la desmaiar.
“…todos os sinais de ataques de feromônios sumiram…”
Valence sabia, intuitivamente. O médico tinha dito que a condição de Ahin tinha melhorado miraculosamente. E ela sabia que tinha sido ele que a tinha deixado nesse estado.
Talvez Valence sempre tivesse sabido que Vivi estaria em perigo ao ajudar Ahin. Talvez ela vagamente tivesse antecipado que algo assim poderia acontecer… e no entanto, em vez de impedi-la, ela tinha a encorajado a ajudá-lo.
“Bebê, eu…”
Como ela poderia se redimir por seu egoísmo? Ela queria retribuir de alguma forma.
“Me dê uma chance de pedir desculpas e te agradecer.”
Ela ofereceu a mão com toda sua sinceridade, mas Vivi foi mais para o fundo, na escuridão, começando a tossir.
“Oh, céus…!”
O cheiro de sangue que se espalhou no ar a cada vez que Vivi tossia alarmou Valence. Ela podia sentir que a pequena bolinha de algodão estava ficando mais fraca a cada segundo.
“Eu aceito qualquer punição, mas, por favor… Por favor, venha até mim, só dessa vez… Se não, você pode realmente morrer…”
“C-com licença, Senhora….”
Enquanto Valence implorava, uma voz fez com que ela girasse a cabeça. Assim que tinha recebido o bilhete de Quinn, Lile tinha vindo correndo, ainda usando pijamas.
Clack.
Valence entregou o anestésico a ele e saiu da enfermaria. Lillian, Evelyn e o médico, que estavam inquietos no corredor, olharam para ela.
“Ela não quis sair.”
Ao ouvir as palavras de Valence, que negava com a cabeça, os ombros de todos decaíram, tendo perdido a pequena esperança. Os minutos passaram, com ansiedade. Logo, a porta da enfermaria voltou a se abrir.
“Felizmente, ela me reconheceu como um herbívoro e abaixou a guarda rapidamente.”
As mãos de Lile, do tamanho de pás, se ergueram. Dentro delas, havia uma bolinha de algodão adormecida.
Assim que Vivi tinha visto que Lile não tinha caninos, ela tinha ficado relaxada, então ele conseguiu puxá-la para fora do móvel sem resistência e aplicar o anestésico.
O peito da coelha subia e descia de modo entrecortado. Valence, Lillian e Evelyn, exaustos, encararam o médico com urgência.
“Vocês três, fiquem do lado de fora enquanto eu faço a cirurgia. Você, fique e me auxilie.”
O médico e Lile voltaram para dentro da enfermaria, apressados.
Seria mais outra longa espera.
***
Três dias depois do aniversário de Ahin, a noite estava escura. Do lado de fora da janela, uma chuva pesada caía, indicando que o inverno se aproximava.
As pálpebras de Ahin, que estiveram fechadas todo esse tempo, se moveram. Depois de piscar algumas vezes, ele sentiu dificuldade de respirar. Algo pesado estava pressionando seu pescoço.
Ahin percebeu que havia alguém deitado na cama com ele, e virou a cabeça para o lado. Lillian estava ali, dormindo com o braço estendido em cima de seu pescoço. Julgando que ele estava próximo demais, Ahin se despertou.
Removendo o braço do avô, ele se sentou, sentindo seu corpo pesado. Quando o cobertor escorregou, seu torso desnudo foi revelado.
“Meu quarto…?”
Sua mente não estava completamente clara. Ele olhou ao redor. Yuan tinha dormido sentado ao lado da cama, parecendo ter estado no meio do processo de limpar o corpo de Ahin com um pano molhado quando caiu no sono. Lillian parecia que não dormia há várias noites.
Os olhos vermelhos seguiram procurando algo… Vivi não estava em lugar nenhum. Assim que ele pensou isso, fragmentos de memórias começaram a surgir como ondas. O ataque de feromônios. Se trancar no banheiro. Cuspir sangue. Vivi…
Desde que tinha saído do banheiro, Ahin não se lembrava de mais nada. Ele tinha absorvido os feromônios de cura contra sua vontade, e então… tinha perdido o controle.
‘O que aconteceu?’
Várias possibilidades passaram na mente de Ahin, que estava olhando vagamente para suas mãos. Imagens dançavam em sua cabeça, com a de um pescoço desprotegido ficando em destaque. Então, caninos afiados se aproximaram dele…
As capacidades anestésicas dos feromônios de cura devem ter mantido um fino véu de racionalidade, o que permitiu a ele se lembrar.
O cheiro de sangue havia se espalhado no ar. O corpo de Vivi, por um instinto de auto defesa, havia começado a brilhar e o peso nos braços de Ahin gradualmente diminuiu. Quando o coelho bebê caiu no chão, o corpo de Ahin, tendo sugado todos os seus feromônios, caiu junto. E então, só havia escuridão.
As mãos de Ahin tremeram violentamente. Ao contrário de seu diagnóstico anterior de morte certa, ele sentia que seus feromônios estavam mais estáveis do que jamais tinham ficado durante toda a sua vida.
Teria ele sugado feromônios de cura suficientes para resolver seu problema através da corrente sanguínea…? Os olhos vermelhos ganharam foco outra vez, com um medo claro sendo refletido neles.
Ele tinha se lembrado de um pequeno corpo branco caindo no chão, sem nem mesmo ter gritado. Mas, se ela pudesse falar… provavelmente diria algo como…
“Socorro, estou morrendo.”
Ahin murmurou essas últimas palavras, as lágrimas caindo sem parar dos olhos vermelhos e pingando em suas mãos estendidas.
Ele sentiu que não podia mais suportar ver a imagem da herbívora, sendo mordida por caninos afiados e tentando sobreviver. Ele desistiu de acordar Yuan, que estava apagado por completo. A hipótese terrível de que Vivi poderia não ter sobrevivido a esse incidente…
“Não…”
Tentando esfriar a cabeça, Ahin cambaleou para fora da cama. Se uma tragédia assim tivesse acontecido, a mansão não estaria tão silenciosa. Ele catou uma camisa branca no chão do quarto e saiu.
Os cavaleiros, arregalando os olhos, o saudaram imediatamente. Ahin falou enquanto abotoava a camisa.
“… Vivi…”
Sua voz saiu entrecortada. Os guardas se entreolharam, antes de responder.
“Ela está no quarto da Senhora….”
Voosh.
Ahin deu as costas para eles e se dirigiu ao quarto de Valence, sem escutar mais nada. Normalmente, ele teria saltado da varanda, mas estava com dificuldade de se mover, por alguma razão. Enquanto ele cruzava o jardim, um atalho até a ala da mansão onde ficava o quarto da mãe, as gotas de chuva começaram a molhá-lo, o deixando ensopado.
Ele parou no meio da chuva. Era uma coisa boa que as gotas estivessem cobrindo os olhos vermelhos. Ele costumava sorrir toda vez que ia procurar Vivi. Mas, nesse momento, tudo era escuro, e, assim como o céu noturno, não era possível enxergar nada.
***
Valence tinha cedido seu quarto, por ser o melhor da mansão, para o tratamento de Vivi. No entanto, ela continuava se escondendo embaixo de móveis toda vez que via um predador.
As únicas pessoas que estavam liberadas para entrar e sair do quarto eram Lile e um novo empregado herbívoro, que havia sido contratado às pressas só para isso.
Ash estava de guarda do lado de fora da porta há dias, sem comer direito. À medida que o tempo passava, ela ia ficando cada vez mais magra e nervosa. No entanto, isso não era nada comparado à Vivi, que estava sofrendo de febres altas e ficando inconsciente repetidamente.
Ash, deitada ao lado de Barra no corredor, tentava dormir quando, de repente, abriu os olhos amarelos. As emoções que podiam ser lidas ali eram de uma raiva assassina. Ela olhou ao redor, onde aparentemente só estavam presentes Meimi e Evelyn, o qual tinha dormido sentado no chão.
Mas logo, passos ecoaram no corredor silencioso. Ash tensionou o corpo quando o som ficou mais próximo. E assim que Ahin virou a esquina, ela correu e saltou sobre ele. Vendo uma besta com os caninos apontados para ele, Ahin conseguiu girar o corpo e evitá-la.
Ash, não conseguindo deter sua trajetória, atacou o ar e caiu no chão, rolando. Sem nenhuma força sobrando, ela ficou ali, apenas piscando os olhos.
Ela odiava esse Ahin que feriu a Vivi, e queria apenas ficar deitada ali, até morrer. Mas, sabendo que isso faria Vivi ficar triste, ela ficou ainda mais chateada.
“Lorde Ahin… Posso ver que o senhor parece melhor…”
Quebrando o silêncio, Meimi puxou Ash, a ajudando a se levantar e a segurando pelos ombros. Se a soltasse, a criada receava que a pantera pudesse pular em Ahin outra vez. Por isso, pensando em evitar a situação, ela levou Ash e Barra e foi para longe. Somente o som da chuva ecoava no corredor.
Gotas de chuva pingavam da camisa de Ahin, molhando o chão. Ele escondeu as mãos trêmulas e se preparou para entrar no quarto de Valence. Parou quando seus olhos se franziram ao ver Evelyn, dormindo sentado no chão.
“…Esse rosto, que antes era bonito, está muito abatido.”
Evelyn, ainda com os olhos fechados, tocou a própria bochecha. Pensou que, talvez, por ter virado várias noites, sua pele estaria seca.
“Estava falando de mim mesmo, não de você, Evelyn.”
“…”
“Pode parar de fingir que está dormindo.”
Sem forças para discutir, Ahin se sentou no chão ao lado do secretário. Apesar de ter absorvido todos os feromônios de cura, o fato de que o ataque de feromônios havia rompido várias de suas veias continuava. Com as hemorragias internas o lastimando, Ahin se forçou a engolir fundo. Esticando as longas pernas, ele encostou as costas na parede.
“…Vivi…”
“Lorde Ahin, o senhor não tem o direito de perguntar.”
Com os olhos meio fechados, Evelyn se sentou na mesma posição que Ahin. Ele estava com uma atitude terrível, e mostrava seus sentimentos interiores sem nenhum pudor.
“Perdão por não ter ficado em seu quarto, Lorde. A verdade é que toda noite escrevo no meu diário meus desejos de que o senhor desaparecesse. Por isso, vim guardar a Senhorita Coelha em vez disso.”
“Sua raiva de mim está num nível em que até mesmo me conta o que escreveu em seu diário…”
Evelyn, olhando Ahin com o canto do olho, cobriu a boca com as mãos.
“Felizmente, a Senhorita Coelha está fora de perigo de morte, como o médico declarou ontem. No entanto, nenhum membro da casa Grace pode cruzar essa porta, já que ela desenvolveu uma fobia de predadores. Só o senhor Lile e o novo homem-besta esquilo estão fazendo o tratamento dela.”
“Eu sou especial. Posso entrar de qualquer maneira.”
Ahin tinha confiança de que ele teria a permissão de Vivi. No entanto, lembrando-se a imagem do pescoço ferido, ele também podia imaginá-la o negando…
“Ela desenvolveu uma fobia de predadores.”
Ahin piscou, repassando as palavras de Evelyn. Um silêncio pesado surgiu. Evelyn, vendo que Ahin respirava de modo irregular, falou primeiro.
“Os seus olhos estão vermelhos.”
“Os seus também.”
“Isso é porque tenho vontade de chorar.”
“Que tipo de coelha é essa, que faz predadores chorarem…”
Sem responder a pergunta, Evelyn mudou de assunto.
“É melhor que não entre no quarto, Lorde. Ela ainda não está completamente curada.”
“Eu não perguntei sua opinião.”
“Nunca pergunta nada para mim, Lorde. Sempre faz o que quer e não vê as coisas importantes.”
“Está com raiva de mim?”
Evelyn girou a cabeça, evitando o olhar de Ahin.
“Não tenho outra escolha. Eu dedico meu corpo e mente ao Lorde, e ele nem mesmo me escuta por dois segundos.”
“Você precisa ser dramático assim?”
“Sim.”
Era a mesma rotina de sempre dos dois, mas ambos os homens estavam nervosos, olhando para a porta do quarto. O silêncio caiu outra vez.
Logo, surgiram barulhos do lado de dentro. A porta se abriu e um homem gordo – ainda maior que Lile – usando um jaleco branco, saiu.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.