A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 111
Depois de voltar da estufa para o quarto, olhei para Ahin com o canto do olho. Ele tinha uma flor atrás de cada orelha, as quais ele tinha recolhido com determinação dos restos do buquê arruinado.
Ele podia estar tão louco como era de costume… Mas eu sentia que tinha algo estranho. Seria por causa da atmosfera que foi cortada abruptamente quando ele declarou que tínhamos que voltar da estufa?
Enquanto o encarava disfarçadamente, desviei o olhar, envergonhada. Era porque os três ou quatro primeiros botões da camisa dele ainda estavam abertos, revelando o seu torso.
Mesmo que eu ignorasse os perigos de ter me humanizado, ainda era uma loucura. Ele era um predador que poderia abalar o país inteiro com apenas uma ação.
Com o rosto vermelho, toquei em meus lábios. Ahin não tinha deixado-os em paz. Por isso, eu ainda não tinha conseguido contar sobre a marca de humanização definitiva. Mas ele parecia distraído agora, e eu não conseguia me acalmar porque minha boca estava formigando, e por isso, fiquei andando em círculos.
“Vivi, estou ficando tonto.”
Só então percebi que tinha estado caminhando ao redor de Ahin todo esse tempo. Como esperado, não era certo ficar enrolando. Tinha que contar para ele sobre a marca em forma de flor, que estava pouco nítida, mas existia. No entanto, Ahin abriu a boca primeiro.
“Vou para meu escritório, esqueci uma coisa.”
“O quê?”
“Um documento secreto. Não sei onde Yuan está, então devo buscá-lo eu mesmo.”
Ele tirou a coroa de flores da minha cabeça e a colocou sobre a mesa.
“Vá para a cama primeiro.”
O som dos passos dele ecoou no quarto silencioso. Então, Ahin parou na porta, girando com a testa franzida.
“Por que está me seguindo?”
“Eu vou junto.”
“Não vou demorar.”
“Você não está nem com Yuan nem com Evelyn, vai ficar solitário no trajeto de ida e volta.”
“Se você caminhar pela mansão à noite, sem razão, vai se resfriar.”
Eu fui até o closet, que agora tinha uma sessão construída só para mim, e em menos de 30 segundos, estava segurando uma capa branca ao lado de Ahin.
“Se eu vestir isso, não tem problema, certo?”
Me aproximei, me grudando nele. Ahin olhou para a capa em meus braços, sorrindo. No entanto, determinado a me deixar para trás, roubou a capa friamente.
“Apenas fique aqui no quarto.”
“Você costumava me colocar no seu bolso e me levar à toda parte…”
Se ele percebeu que eu estava fazendo isso porque não queria arriscar que ele tivesse um ataque sozinho, deveria ter fingido não notar e concordar de uma vez. Abracei Ahin por trás, passando os braços em torno de sua cintura.
“…Se não me soltar, vou te morder.”
Ahin falou irritado, mas não afastou meu braços. Escutei ele suspirar e falei.
“Vamos juntos.”
Esfreguei o nariz nas costas largas dele. Os cheiros do vento noturno e das flores esmagadas estavam misturados no ar. Estaria Ahin nervoso, assim como eu? Dava para ouvir seu coração batendo forte.
“Vivi.”
“Sim?”
“…”
Me afastando com o rosto vermelho, parei de esfregar as bochechas nas costas dele. O som do tique-taque do relógio era a única coisa que preenchia o silêncio.
Hoje tinha sido um longo dia… Pensando nisso, comecei a me sentir exausta. Ahin também tinha uma voz mais cansada que o normal.
“Você ainda tem medo de panteras negras?”
“Não. Não tenho mais medo.”
“Jura por sua vida de coelho?”
“…Ah, Hmm…”
Uma resposta estranha, nem negativa nem positiva, saiu da minha boca. Enquanto me sentia um pouco envergonhada, Ahin passou as mãos por cima das minhas, que ainda estavam em torno de sua cintura.
“Se não tem medo, me carregue para a cama.”
“Q-quê?”
Essa besta sempre é imprevisível. Talvez estivesse envergonhado pelo que falou, porque as mãos dele pareciam estar tremendo… Enquanto isso, estava pensando em como carregar um homem tão grande para a cama.
Assim que fiquei em silêncio, Ahin começou a rir do nada. Fiquei sem palavras.
“Sabe, num certo dia, eu fui forçado a entrar na floresta fronteiriça por causa de um ataque do clã dos lobos.”
“Entendo, floresta… então, como vou arrastar até a cama… espera, do que está falando?”
“Você acabou de falar em cama?”
“…Apenas continue o que estava dizendo!…”
Envergonhada, golpeei as costas de Ahin com minha testa, sem razão. Me arrependi, pois eram tão duras que pensei que meu crânio ia se partir.
“…Evelyn fugiu em uma carruagem e me deixou na floresta sozinho. Graças a ele, tive que ficar vagando até que uma outra carruagem viesse me recolher.”
‘Como é que Evelyn ainda está vivo?’
Parecendo ter lido minha mente, Ahin falou.
“Abandonar o próprio mestre numa emergência é uma atitude ousada… não é nada mal.”
“…”
“Bem, eu estava bem irritado, vagando por aí, mas então, por acaso, vi uns homens-besta lebres caminhando de modo suspeito e segurando uma cesta.”
A voz tranquila e o cheiro familiar me deixaram nervosa.
“Só fiquei curioso, no começo. A coelha bebê sentada dentro de uma cesta chorando era engraçada, e foi hilário ver como fingia ter morrido para conseguir viver. Acho que a recolhi por impulso, somente por pensar que não era nada mal.”
Senti como se estivesse ouvido uma história que já conhecia, com partes adicionais. Engoli em seco e murmurei.
“Estava rindo da minha cara, por ser engraçada?”
“Se não gosta, Vivi, deveria parar de ser engraçada.”
“Besta maldosa.”
“Me insultar é emocionante. Continue.”
Pensando que se voltasse à forma de coelho, eu o chutaria com a pata traseira, praguejando por dentro, me esforcei para soltar meus braços da cintura de Ahin. Sem permitir que eu o soltasse, ele aplicou força nas mãos que ainda cobriam as minhas. Arregalei os olhos por estar forçada a continuar abraçando ele por trás.
“Me solta!”
“Ainda bem que eu encontrei aquela cesta.”
“Quê…?”
“Ainda bem que eu pude recolher Vivi.”
Palavras inesperadas voaram como uma flecha e atingiram meu coração em cheio. Como ele pode falar isso sem nenhum aviso? Esse pantera negra sempre seguia o seu próprio ritmo. Mordi os lábios.
“Se você pudesse voltar no tempo, ainda me recolheria?”
“Eu iria te trazer para casa te carregando na boca.”
“Eu odiaria isso.”
“Parece mais emocionante ainda.”
Ahin, rindo baixo, continuou.
“De qualquer modo, não precisa ficar impaciente sobre se humanizar. Eu não me importo que aparência você tenha.”
“Mesmo se for a de um coelho bebê?”
“Qualquer uma.”
“E se eu ficar indo e voltando?”
“Vivi sempre faz o que bem entende de qualquer maneira.”
Teria alguém mais nesse mundo que aceitasse meu eu imperfeito, além de Ahin? Enterrei a testa nas costas dele outra vez.
“Ahin…”
Talvez esse seja o melhor momento para falar sobre a marca de humanização definitiva que tinha começado a se formar.
“Na verdade, na minha nuca…”
De repente, Ahin se estremeceu e eu perdi o equilíbrio, caindo sentada no tapete. Mas nem senti a dor, pois percebi que, naquele instante, os feromônios de dominação de Ahin estavam correndo descontrolados.
“Ataque de feromônios…”
Me levantando sem perder tempo, me aproximei.
“Ahin!”
Ahin, cobrindo a boca, empurrou a minha mão, enquanto eu tentava agarrar seu braço. Depois de um momento, ele tocou a minha mão suavemente.
“…Não se aproxime.”
Ele deu um passo para trás, tossindo forte. Quando vi que a mão de Ahin estava manchada por um sangue escuro, fiquei paralisada como se tivesse sido acertada por um martelo.
***
A noite após o término do banquete ruidoso estava bem silenciosa. Talvez fosse a calma antes da tormenta.
Uma névoa gelada se espalhava pela noite. Evelyn, mal tendo conseguido vestir uma camisa e uma calça, nem conseguia sentir o frio.
“Por favor, mais devagar. Eu sou um mero secretário, sou fraco.”
Ele implorou para Ash e Barra, que corriam através do jardim da mansão. Os dois se dirigiam para a grama debaixo da varanda do quarto de Ahin. Apesar de estar sendo arrastado, Evelyn não podia perdê-los de vista.
“Precisamos entrar pela porta e pedir autorização do Lorde Ahin. Se o visitarmos dessa maneira… Não vamos ver o sol nascer amanhã.”
Ash e Barra encaram Evelyn como se fosse uma bagagem inútil da qual eles tinham que se livrar logo. As duas panteras se entreolharam e começaram a encurralá-lo.
“…Vocês, por que estão me colocando contra a parede?!”
Logo, usando as caudas e patas dianteiras, eles começaram a bater no secretário. Defendendo a cabeça com os braços, Evelyn gritava.
“Ao contrário do Lorde Ahin, eu não gosto de apanhar!! Meu lindo rosto!!”
Ele insistiu, mas isso nunca funcionaria. Enquanto os cabelos negros e brilhantes ficavam em frangalhos, uma pena flutuou na frente do rosto dele.
“Quinn!”
Tendo acabado de voltar do território dos ursos, Quinn pousou na frente do trio.
“Por favor, pare esses dois!”
<E por que eu deveria?>
Quinn escolheu se sentar para assistir, emitindo grasnados de alegria. Além disso, ele foi discreto, chegando num ângulo que os cavaleiros que patrulhavam a área não pudessem enxergar.
‘Não sei por que razão esses dois querem invadir o quarto do Lorde Ahin, mas se Quinn me denunciar, não vai acabar nada bem.’
Logo, Evelyn, puxando uma pequena fruta vermelha de dentro das roupas, fez com que Quinn parasse de cantar.
“Está proibido.”
Fazia um tempo que ele estava banido de comer morangos por seu mestre. Se perguntando se valia a pena dar a Evelyn uma asa amiga, de repente, ele sentiu algo estranho no ar.
“Não é para vigiar Vivi. Preciso que fique de olho em mim.”
A águia encarou Ash, que estava particularmente selvagem. A pantera negra que sempre agia de modo adorável na frente da coelha maldita não faria algo assim em circunstâncias normais. Quinn abriu as asas e voou até a varanda.
Evelyn, percebendo que não apenas Ash, mas também Quinn estava agindo de modo estranho, olhou para o céu sem expressão, sem perceber que Ash e Barra não estavam mais ali.
***
‘Eu devia ter saído do quarto depois de arrancar a capa das mãos dela. Devia ter resistido a Vivi.’
Ahin se arrependeu de seu erro em calcular o tempo que tinha até que o ataque começasse de verdade.
Apressado, ele correu para o banheiro e trancou a porta. Cada vez que tossia, suas mãos ficavam manchadas de sangue. Tudo que ele tinha que ter feito era ir para o escritório, onde ninguém iria ver aquilo, mas ele tinha relaxado.
Perdendo as forças nas pernas, ele se encostou na porta de vidro, sentindo-se escorregar até o chão. Sua garganta queimava com o sangue.
‘É a primeira vez que tusso sangue…’
Ele se lembrou de uma memória da infância, em um dia no qual abriu uma porta pesada.
“Pai…?”
Edith estava deitado no chão de um quarto que não era usado por ninguém. Sangue pingava de seu queixo.
“Saia logo daqui, jovem mestre…!”
Uma mão pertencente a alguém surgiu e começou a afastar o pequeno Ahin. O belo cabelo loiro de Edith e o boneco de coelho, que Ahin tinha derrubado pelo choque, estavam ambos empapados pelo sangue que cobria o chão.
Apesar de entrecortada, essa memória nunca tinha sido esquecida. As mãos e pés de Ahin ficaram frios. Encarando o sangue que pingava de seus dedos, a sombra da morte ficou nítida para ele, que não tinha querido a encarar até então.
Ainda assim, Ahin olhou para suas mãos com os olhos desfocados. Por quase uma década, ele tinha se resignado. A morte era algo inevitável e ele não se importava. Só era irritante ter que lidar com a dor dos ataques, quando parecia que suas artérias estavam queimando.
Bam.
O corpo de Ahin estremeceu contra o vidro da porta, quando ele escutou um golpe forte que fez com que ela vibrasse.
Quando ele levantou a cabeça, Vivi estava lá, golpeando a porta. Como se fosse ela quem estivesse morrendo, seu rosto estava coberto de lágrimas.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.
Lucien
Aí MDS ahin!