A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 102
Ahin tinha dispensado os serviços de Yuan para se preparar para dormir, já que eu tinha me humanizado naquela tarde.
“Escutei que você me traiu com Yuan outro dia.”
Lancei um olhar assassino à porta do banheiro, onde Ahin estava.
‘Quem diabos ele pensa que eu sou?’
Parando de encarar a porta, me levantei. Era uma boa oportunidade para que eu obtivesse umas respostas antes de ele voltar. Fui até a cesta de frutas na mesa e peguei alguns morangos.
Quando saí para a varanda, o vento frio noturno me fez estremecer.
Os olhos da águia brilhavam no escuro. Quando girei, evitando Quinn, que mergulhou rápido como um raio, consegui desviar dele, e o bico que errou a mira dos morangos cruzou o ar.
Na brisa da noite, minha camisola branca tremulava. Era uma batalha entre a pessoa que queria proteger os morangos e o animal que queria devorá-los.
“Quinn, quero te propor um trato.”
Se empoleirando no parapeito da varanda, ele fez um “pfft”. Seu olhar estava cravado em minha cabeça.
Percebi que ele estava rindo da minha touca de dormir, e a toquei levemente. Na verdade, eu mesma estava envergonhada por ter que usá-la, mas não pude evitar perante o olhar duro de Meimi.
Mas ele também não precisava rir de mim. Águia sarcástica. Ameacei colocar um dos morangos em minha boca.
“Quanto mais malvado você for, menos morangos vai ganhar.”
Só então Quinn mudou a linguagem corporal, se endireitando. Satisfeita com a troca de atitude, perguntei.
“Pode me dizer como é o território dos ursos…?”
No fim da frase, minha voz falhou por medo. Os ursos eram enormes, mesmo se comparados com outros predadores. Era um nível diferente, e dizia-se que eles conseguiam matar qualquer outro predador com um só golpe, sem dificuldades.
Talvez percebendo meu medo, Quinn abriu as asas, de modo a ficar o maior e mais ameaçador possível.
“Isso significa que é um lugar muito assustador?”
Em troca da resposta, ofereci um morango a Quinn, que o agarrou instantaneamente.
Preparei a próxima pergunta, apertando os lábios.
“…Ahin, ele…”
“Sim, me chamou?”
A voz de Ahin soou atrás de mim, sem nenhum aviso.
‘Quinn, por que diabos não me sinalizou que ele estava aqui!?’
A águia encolheu as asas, como se estivesse dando de ombros, virando a cara para mim.
Assim que me virei mecanicamente, vi Ahin encostado na porta que levava à varanda. Não importa quantas vezes o visse recém-saído do banho, com a água ainda pingando dos cabelos prateados, eu ainda ficava sem fôlego.
Logo, Ahin se aproximou, tirando os morangos de minha mão e os jogando para baixo, caindo pela varanda. Quinn partiu em voo, apanhando alguns no ar na maior velocidade que eu já tinha presenciado, e seguindo atrás dos que tinham caído no chão.
“Se está curiosa, pode perguntar essas coisas para mim. Por que veio falar com a águia?”
“Eu…”
Ahin não tinha consciência do sorriso assassino que mostrou quando mencionou Rune e Lile mais cedo? Enquanto eu hesitava, ele de repente passou as mãos por minha cintura e me colocou sentada no parapeito.
‘Ai, meu Deus!’
Inicialmente fiquei assustada pela sensação de que não havia nada em minhas costas, mas confiei que Ahin não me deixaria cair. Depois de um tempo, falei cuidadosamente.
“Ahin… não acha que a atitude do vovô mais cedo foi um pouco estranha?”
“Por quê?”
“Bem…”
Não importa o quanto eles precisem de meus feromônios, era esquisito que uma pessoa tão conservadora não comentasse nada sobre a relação sui-generis que havia entre Ahin e eu. Quando eu ia responder, neguei com a cabeça, me lembrando do vovô gritando para que Evelyn e Quinn fossem me procurar no estábulo.
“Não foi nada.”
Encarar Ahin estando com os olhos na mesma altura que os dele era algo novo. Na luz da lamparina, os olhos vermelhos tinham uma tonalidade ardente. Senti uma necessidade grande de escapar e desviei o olhar.
“Você tem uma bola gigante de algodão na cabeça hoje.”
“É uma touca de dormir!”
Como ele podia ter confundido isso com uma bola de algodão? Ahin tinha talento para fazer com que meu rosto corado (por outras razões) passasse a ficar corado de raiva. Enquanto eu bufava, algo foi amarrado em meu pulso. Era Ferenium.
“Um presente.”
Eu toquei no relógio de bolso, que estava enrolado como uma pulseira. Nos últimos dias, pilhas e pilhas de presentes para Ahin estavam chegando de vários nobres, lotando seu escritório.
“…Ahin, logo será seu aniversário.”
“Verdade.”
“Estava pensando e não sei o que posso te dar de presente.”
Não posso ficar na mansão Grace sem nem ao menos oferecer um presente a ele. Mas não tinha nada que eu pudesse dar. Nem mesmo tinha ainda a habilidade suficiente para transferir meus próprios feromônios para um Ferenium, como Ahin.
Até hoje mais cedo, estava na forma de coelha. Tinha pensado no assunto enquanto praticava meus feromônios em bonecos de madeira, mas não consegui chegar a nenhuma conclusão.
“Eu já recebi o seu presente.”
“Quê?”
Ahin parou de falar e virou o rosto para o outro lado. Tentei me lembrar, mas não tinha dado nada para ele que pudesse contar como um presente… fiquei encarando a lateral de sua cabeça, estreitando os olhos.
“Me lembrei de você dançando…”
Ainda não tinha obtido a resposta para minha pergunta.
“…E estou tentando segurar o riso.”
“Não creio…”
Ahin voltou a me olhar, sorrindo largo. Os caninos ficaram expostos. Ele sabia que essa era uma tática infalível para evitar meus interrogatórios, mas eu não podia fazer nada. Os dentes afiados faiscando sobre a luz da lamparina eram tão brilhantes que não se comparavam com a visão dos mesmos à luz do dia.
“Tenho muitos presentes para pedir, então. Para começar, prometa que não vai fugir de casa.”
Pisquei com a fala inesperada de Ahin.
“Isso inclui fugir para o bolso de Evelyn, ou ir dormir no quarto de Meimi.”
“…Você quer isso como presente?”
“E não tenha mais encontros extraconjugais.”
“Quem disse que eu tive?!”
“Hoje mesmo o velho não mencionou o leão e o gorila? Ou foi só o gorila? Quero me livrar dos dois, se possível.”
Por um momento, a energia do local ficou gelada. Fiquei sem palavras diante de tal absurdo. Ahin puxou minha touca de dormir, a retirando.
“Posso pedir algo mais?”
Se eu deixasse ele continuar, mais pedidos de presentes bizarros iam surgir. Chacoalhei a cabeça com tanta força que minhas bochechas voaram.
“Acho que já é o suficiente.”
“Mas eu ainda tinha muitas coisas para pedir.”
Ahin lentamente afastou meu cabelo, que tinha ficado grudado em meu rosto quando balancei a cabeça. Ele riu baixo, com o cabelo ainda molhado voando sob a brisa noturna, o que roubou minha atenção.
“…Mesmo depois que você se humanize definitivamente, fique aqui na mansão Grace.”
“…”
“E, a próxima coisa errada que eu fizer… prometa que vai me perdoar, não importa o que seja.”
Esses dois pedidos eram diferentes dos anteriores. Quando não consegui responder, Ahin ergueu meu corpo do parapeito da janela e me colocou de volta no chão.
“Sua resposta?”
“Ahin, você pretende fazer algo de errado comigo? Por que iria dizer isso?”
“Só para garantir. Vivi às vezes é uma coelha muito fria e rancorosa.”
Pude escutar que Quinn estava voltando de sua caça aos morangos.
‘Por que foi voltar justo agora?’
Encarando Quinn, que tinha o bico todo manchado pelas frutas, olhei de novo para Ahin. Ele disse que eu não devia mexer com águias sujas e me puxou para o quarto. Enquanto seguia suas costas largas, senti uma estranha ansiedade crescendo.
***
Depois de muita discussão, ficou decidido que Vivi não iria comparecer ao banquete de aniversário.
Apesar de a família Grace ter oficialmente banido o uso de qualquer feromônio durante a celebração, incluindo feromônios sexuais, ainda era inseguro para ela estar em um lugar onde estariam presentes todo tipo de predadores.
“Que pena… já tinha mandado fazer vários vestidos…”
“Por quê?! Se for pela etiqueta, posso te ensinar nesses dois dias que faltam!!”
Valence e Lillian pareciam muito desapontados. Vivi, após hesitar um pouco, pensou que realmente era uma pena no instante em que viu a confirmação da presença da Professora Janna.
‘Mas não tenho opção….’
Ela entendia os sentimentos de Ahin, que não aceitou que ela fosse porque queria que vivesse uma vida longa e segura. Nesses dias, os nobres de clãs predadores estavam chegando para se hospedar na mansão, e por isso, ela estava confinada no quarto ou na biblioteca, para evitar encontrá-los. O trajeto entre um e outro tinha que ser feito com cuidado, revisando cada esquina e andando grudada na parede.
E logo, chegou a noite anterior ao banquete. Ahin, que estava terminando seu trabalho dentro do quarto, olhou para a cama. As cobertas estavam infladas, porque Vivi estava enrolada como uma bola por debaixo delas.
“Vivi, se vai dormir, deite direito.”
O colchão se balançou quando Vivi, que estava chateada, bateu os pés como se nadasse.
Evelyn, presenciando a raiva da coelha, falou.
“Ela parece um bolo. Acho que a Senhorita Coelha preparou um bolo especial e gigante para o banquete de aniversário.”
“Então vamos fazer com que Quinn se encarregue de decorá-lo.”
“Se for assim, só vai ter morangos por cima.”
‘Predadores maldosos, só pensam em comer.’
A bola debaixo do cobertor se achatou quando Vivi, que havia se deitado normalmente, ainda completamente debaixo das cobertas, falou em voz baixa.
“…Evelyn, sempre quis te dizer isso. Desde a primeira vez que eu te vi, te odiei.”
Os olhos até então calmos de Evelyn tremeram com o choque.
“…Senhorita Coelha… como pode dizer algo tão cruel…?!”
Ahin, que estava mais do que feliz vendo a briga dos dois, sorriu alegremente. Vendo isso, Evelyn resolveu ser corajoso.
“Bem, o ódio é uma maneira de prestar atenção em alguém. O pior é a indiferença…”
Ahin, ao ouvir a expressão “prestar atenção”, ergueu as sobrancelhas.
“Evelyn, saia daqui.”
“Mas ainda há trabalho a fazer…”
“Quer virar a decoração do bolo de coelho?”
A coragem de Evelyn desapareceu como cinzas ao vento. Ele recolheu os documentos na velocidade da luz e parou ao segurar a maçaneta da porta.
“Mesmo que a Senhorita me odeie, eu não a odeio.”
“Evelyn…”
Vivi, que tinha o coração mole, colocou os olhos para fora do cobertor. Evelyn encarou os olhos lilás.
“Mas ainda assim, vou pedir ao chef que prepare um bolo de coelho por causa do que disse.”
“Sua besta maldosa…!”
Ela tinha sido ingênua ao esperar algo de bom dele. O travesseiro que Vivi atirou bateu no chão quando Evelyn fechou a porta rapidamente.
O quarto ficou em silêncio após a saída do secretário. Ainda respirando pesadamente, Vivi saiu de debaixo do cobertor e falou para Ahin.
“…Eu vou com você para o território dos ursos.”
Essa era a razão pela qual eles tinham brigado, em primeiro lugar. Com os olhos grudados no documento, ele falou.
“Não.”
“Vou ficar bem.”
Girando sua cadeira para encarar Vivi, Ahin cruzou as pernas.
“É perigoso. Já falei que se não formos de barco, a única maneira de chegar lá é cruzando um deserto.”
“É por isso que não quer me levar junto? E o que vai fazer se tiver um ataque no meio do caminho?”
Vivi voltou a se enrolar no cobertor. Não importa o quanto ela pensasse no assunto, era estranho. Ele podia ter uma ataque a qualquer momento, mas não queria levá-la junto, mesmo sabendo que a viagem duraria mais ou menos um mês.
Como alguém que já tinha presenciado o quão doloroso era um ataque, ela não podia deixar isso passar. A questão do pai de Ahin tornava isso tudo ainda mais suspeito.
“Eu falei com Lile. Ele disse que mesmo que seja uma viagem cansativa, desde que se cruze o deserto bem, o resto do caminho é tranquilo.”
“…”
“Se eu começar a dar problemas, voltarei a forma de coelha e você pode me carregar no seu bolso.”
“…”
“Mesmo que seja em uma cesta! Eu vou aguentar de alguma maneira!”
Vivi, falando em seu tom mais persuasivo, jogou as cobertas para o lado e saiu da cama.
“Agora, já consigo controlar os feromônios de cura muito melhor…. Ahhhh!”
Vivi, se aproximando de Ahin, pisou na barra da camisola e perdeu o equilíbrio. Agindo rapidamente, ele segurou o corpo dela.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.