A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 10
Por muitas horas, meu corpo ficou estranho, após ter sido mordida por Ahin. Meu estômago doeu como se estivesse com indigestão, fiquei sufocada e minha cabeça latejava.
Sem conseguir dormir, fiquei me revirando na cama. Talvez esteja doente…?
Depois de ter esse pensamento, não consegui mais ficar parada e abri os olhos.
A visão borrada logo ficou mais nítida e pude ver, deitado ao meu lado, Ahin, enfiado no cobertor com apenas a cabeça de fora. Eu ainda me sentia nauseada.
Piscando, olhei para Ahin, iluminado pelo fogo da lamparina. Ele parecia ser sensível demais ao frio para um predador selvagem, pois hoje de novo estava todo enrolado no cobertor branco. Meus olhos distraídos continuaram olhando.
Cabelo prateado, cílios longos, e feições belas. Ao contrário de sua expressão habitual, o seu rosto enquanto dormia parecia mais dócil, como o de um herbívoro.
‘Ai, céus.’
Seria ótimo se ele ficasse assim também enquanto acordado. Infelizmente, podia admirar a beleza de Ahin, mas nunca admitiria isso para ele. Ou para qualquer pantera negra, como um grupo.
Eles até podiam não ser tão maus… mas Evelyn era uma grande exceção.
Ele tinha sido cruel demais ao mostrar um livro de “como cozinhar herbívoros” para uma coelha.
Mas Meimi e Valence… Meimi era gentil, com exceção do dia em que tentei escapar, e Valence era muito generosa, me dando petiscos até meu estômago quase explodir. A raiva que a memória de Evelyn tinha trazido foi apaziguada por elas.
Mas Ahin e Evelyn… eram bestas malvadas. Enquanto os amaldiçoava por dentro, a dor de cabeça passou.
Como a dor que me incomodava desapareceu, finalmente senti que conseguiria dormir. O rosto de Ahin sob a luz do fogo foi se enevoando aos poucos.
“Vivi.”
A voz que tinha chamado meu nome não saia da minha cabeça. De algum modo, quando saia da boca de Ahin, esse nome comum se tornava algo especial.
Quanto mais eu pensava sobre o que tinha acontecido ao longo do último mês, mais perguntas surgiam. Ahin sentiu que eu produzia feromônios, assim como Valence?
Então, porque ele não me interrogou, se estava com suspeitas? Ele não me consideraria como um animal de estimação comum, certo? Essas perguntas não paravam de surgir.
‘Ele nunca vai saber quem eu sou?’
Enquanto minha consciência ia escapando, Ahin me parecia cada vez mais distante. Minhas pálpebras estavam muito pesadas, e, sem perceber, estiquei a pata dianteira na direção do rosto dele.
E, o que entrou no meu campo de visão, em vez de uma pata branca e peluda, foram cinco longos dedos.
‘Dedos…?’
Era uma mão humana, como eu costumava imaginar que um dia teria. Depois de tanto esperar a minha humanização, agora estava alucinando.
Quase comecei a rir da situação, de tão ridícula.
Além disso, a mão que enxerguei estava tocando o rosto de Ahin, acompanhada de não apenas dedos, mas de um longo braço esticado. Até mesmo podia sentir o calor emanando do rosto dele onde estava sendo tocado.
‘Quente… É cálido.’
Sabia que era uma alucinação, mas não removi a mão. Tic tac, sentia que os minutos passavam devagar. Minha mente, encarando a mão sem reação, foi caindo no sono.
***
Já fazia um mês que Vivi Labian, que só causava dor de cabeça, estava desaparecida, talvez escondida em algum lugar. A mãe de Vivi, Aven, que estava tomando chá, olhou pela janela.
“Como é possível…?”
Ela não parava de pensar nas notícias de que os cavaleiros que foram levar Vivi ao território das panteras negras nunca retornaram. Se perguntou se seria possível que todos os envolvidos tivessem sido devorados pelas panteras.
No entanto, os cavaleiros tinham treinamento em artes marciais. Uma ou duas panteras negras não deveriam ser problema para eles.
No entanto, era improvável imaginar que eles teriam fugido sem cumprir a ordem. Cavaleiros leais que serviam a família Labian há mais de uma década não iriam deixar tudo para trás para salvar um coelho filhote. E ainda por cima, um coelho amaldiçoado, então nem mesmo serviria como animal de estimação ou comida.
O segundo filho dela, Kairi Labian, ao escutar as preocupações da mãe, a encarou. Ele tinha apenas 15 anos, não tendo completado ainda a maioridade. Ele estava com uma expressão terrível.
“Ela simplesmente cruzou a fronteira e foi caçada pelas panteras selvagens da floresta. Esqueça isso de uma vez, mãe.”
“Mas aquela floresta é próxima a mansão da família Grace. Talvez algum cavaleiro da família tenha…”
“Tenha encontrado Vivi Labian? Se sim, não devemos agradecer? Eles devem ter acabado com ela por si próprios então.”
Isso podia virar um rumor entre os outros nobres.
‘Não vamos criar caso’, pensou Kairi, despreocupado, bebendo chá.
A família Grace, chefe do clã das panteras negras, era famosa por não ter misericórdia. Qualquer um que fosse pego cruzando a fronteira sem permissão era executado. Assim, seria óbvio imaginar que não apenas Vivi, mas os cavaleiros também haviam sido mortos.
Ainda que concordasse, Aven não conseguia se livrar de uma grande ansiedade. Kairi, vendo a expressão da mãe, bateu a xícara com força na mesa.
“Se ainda está preocupada, por que não manda algumas pessoas irem lá para investigar? Se eles foram devorados, talvez haja algum osso ou parte do corpo que ainda esteja por lá.”
“Sim, é uma boa ideia.”
Aven, que esticou a mão, tocou o sino que chamava os criados. Era meio-dia e o sino que não parava de soar era incômodo.
***
Foi um sonho ou foi realidade?
Fantasia ou verdade?
Era vívido demais para ser um sonho, mas impossível de aceitar como real. Ainda confusa, eu rolei pra cá e pra lá em minha almofada.
Por mais que pensasse, o calor e a sensação do toque naquela bochecha eram muito vívidos. E Ahin não parecia tão grande quanto de costume, também.
<Só pra garantir….>
Me levantei e caminhei até o espelho de corpo inteiro do quarto. Um coelho filhote, do tamanho de um punho humano, apareceu refletido. Era um herbívoro tão pequeno que cabia facilmente na palma da mão.
<Sim, essa é Vivi.>
Haaa, suspirei olhando para mim mesma no espelho. Em vez de dedos longilíneos, só via uma pata curta e peluda. E nada mais.
No fim das contas, a mão que enxerguei de madrugada devia mesmo ter sido uma alucinação. Além disso, nunca ouvi falar de ninguém que se humanizou e depois voltou à forma animal, do nada.
“Vivi?”
Percebi que teria que me acostumar com me chamarem por esse nome, depois de tantos anos ouvindo apenas “coelha” ou “ei”. Levantei os olhos e vi Ahin, refletido no espelho atrás de mim.
Ao contrário de mim, que tinha sentido dor a noite toda, ele parecia totalmente refrescado. O rosto dele, usando um terno roxo, estava ainda mais bonito que o normal.
“O que tem de errado?”
<Como um pantera negra como você poderia compreender o meu sofrimento?>
Olhando para ele por um momento, dei um suspiro miserável. Então, um servente, que havia entrado no quarto trazendo uma gravata para Ahin, olhou para mim e estremeceu.
Ahin, olhando alternadamente entre mim e o servente, perguntou.
“O que há com ela?”
“C-como, senhor?”
“A coelha. Ela está suspirando.”
Como é que ele vai saber? O servente fez uma expressão por alguns segundos mas logo a mudou. Era a resposta de um empregado com anos de experiência.
“Bem, talvez…”
Me olhando na frente do espelho, ele abriu a boca com cuidado.
“Talvez ela esteja… com fome?”
“Fome?”
“Ela parece muito magra.”
Que diabos. Fiz que não com a cabeça e bati no sapato do servente com a pata dianteira. Você errou feio, camarada.
“Ela não tomou café da manhã?”
Ahin, que falou, me encarou. Ouvindo a pergunta, chacoalhei a cabeça.
‘Com que tempo?’
Não estou pensando em algo tão trivial. Estou preocupada com algo que um pantera negro, que já foi humanizado há muitos anos, nunca poderia imaginar.
“Faz sentido… que ela esteja com fome.”
“Senhor?”
“Ela precisa ser engordada. Para ser comida.”
“Ah-ah, é… mesmo…?”
“Vivi tem que se preparar bem.”
Como interpretar isso? Assim que vi os lábios de Ahin, sorrindo, através do espelho, me petrifiquei. Ele deveria sair logo para fazer seus afazeres.
“Aonde pensa que vai?”
Assim que tentei correr, fui pega pela pele do pescoço. Me aproximando dele em um segundo, ele pôs o nariz em minha nuca antes que eu pudesse me rebelar.
“O cheiro de leão…”
Ahin, que afastou o rosto depois de inalar profundamente, sorriu. Era um sorriso bonito para quem via de fora, mas me deu calafrios. Não pude evitar de me estremecer.
“…se foi completamente.”
Ao contrário dos olhos dele, que estavam brilhando de alegria, sua voz era calma. O quanto ele odeia o cheiro de leão? A essa altura, até eu queria saber como era esse odor. Mais uma vez, ele enterrou o rosto em minha nuca e checou.
“Vivi, se você ficar aquele cheiro mais uma vez, então…”
<Então… o quê?>
Eu não conseguia perguntar, então só olhei para ele com os olhos trêmulos. Ahin, que olhava para o nada como se decidindo o que faria, me pôs no chão.
‘E então? Continue a falar.’
Esperei ainda tremendo, mas ele checou o relógio e começou a andar até a porta.
“Estou atrasado, tchau.”
“Sim, senhor.”
O servente, que respondeu de imediato, seguiu Ahin. Ele só vai embora assim? Olhando para as costas dele saindo, chutei o carpete.
‘Que diabos!’
Seu homem-besta maligno, termine as frases que começou! Rolando no chão de frustração, acabei fazendo contato visual com o servente, que ainda não tinha saído do quarto.
“Senhorita Coelha!”
Ele me chamou baixinho e fez um sinal de “força aí” com a mão esquerda. Depois murmurou “fighting!”
Fiquei sozinha, agonizando. Ele estava falando que era pra eu me esforçar para tentar sobreviver ou para engordar rapidamente e poder ser comida?
Com a ambiguidade das palavras dele, não sabia o que sentir.
Tradutora: Nopa.
Revisão: Holic.